Por Leonardo Morais
Em um setor historicamente dominado por homens, as mulheres seguem rompendo barreiras e conquistando posições de liderança no agronegócio mineiro. Com novas práticas e abordagens, elas transformam a paisagem rural a partir de uma gestão inovadora, inclusiva e sustentável que promete revolucionar o campo.
Em Minas Gerais, o número de estabelecimentos rurais dirigidos por mulheres saltou de 59,3 mil em 2006 para 86,7 mil em 2017, um avanço de 46% segundo consta no mais recente Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar do crescimento, a liderança masculina ainda é predominante, respondendo por 85% do total de produtores no Estado.
Os avanços, no entanto, não devem ser encarados como um aumento no envolvimento com as atividades do campo. A gerente da Mulher, do Jovem e da Inovação do Sistema Faemg Senar, Silvana Novais, reforça que as mulheres sempre estiveram presentes no agronegócio, no entanto, em uma postura secundária à figura masculina, que antes liderava de forma individual, principalmente em trâmites comerciais e financeiros. “Neste momento, estamos começando a enxergar dados reais de avanços em papéis de liderança, mas temos que lembrar que elas sempre estiveram lá”, pontua.
A capacitação é citada pela especialista como uma das razões que viabilizaram o alcance do protagonismo feminino no setor. Em 2006, 36,6% das mulheres do campo nunca haviam estudado, enquanto que, em 2017, o número caiu para 16%. “A partir da capacitação, as mulheres conseguem ter confiança para se posicionar, dialogar e comercializar. O número de capacitações vem crescendo e mostra que elas despertaram para ocupar esse lugar”, avalia Silvana Novais.
Ao analisar os encontros que participa, ela destaca a crescente mobilização do grupo feminino, principalmente nos últimos dois anos com a criação do núcleo de mulheres. Em 2022, 17 encontros anuais de mulheres foram realizados, enquanto que, em 2023, os eventos avançaram para 32 e, em 2024, já estão previstos 62 encontros em parceria com sindicatos.
Durante os eventos, são realizadas capacitações com foco no desenvolvimento da mulher a partir de temas como liderança, inteligência emocional, comunicação, gestão financeira, além do planejamento de ações de acordo com as demandas apresentadas. “Juntas vamos fazer algo grandioso para que elas possam ir se desenvolvendo e que elas ocupem um lugar de destaque”, afirma Silvana Novaes.
A partir dos encontros, as mulheres também compartilham histórias e juntas apresentam algo em comum que unem o grupo em torno de um só propósito: a paixão pela terra e o desejo de construir um futuro melhor para as próximas gerações.
Depois de uma longa carreira no mundo corporativo, desafios da vida apresentaram uma nova possibilidade de futuro para Paula Dias, em Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas Gerais. Junto com o marido, ela retornou à cidade mineira para cuidar das terras adquiridas pela família, após o sogro apresentar os primeiros sinais de Alzheimer.
Diante da escolha de ficar no local ou vender as terras, o casal decidiu mergulhar no aprendizado sobre agricultura e, com isso, transformou a propriedade rural em um exemplo de sustentabilidade e inovação na produção de café, mel e baunilha a partir da marca Grandpa Joel’s Coffee. “Lutamos para quebrar barreiras e nos desenvolver naquele mundo”, ressalta a produtora rural.
O vasto conhecimento no universo corporativo foi essencial para que ela concretizasse os primeiros passos para um negócio bem-sucedido. Um dos aprendizados incorporados na fazenda é a necessidade de conexão com todas as etapas de produção para depois assumir cargos de diretoria. “Se queremos ter intimidade com o produto, precisamos estar em conexão com a terra. Com essa ideia, fomos plantar, colher e, com isso, testamos também outras mulheres na liderança”, detalha.
Hoje, cerca de 30% da produção da fazenda é destinada à exportação com qualidade reconhecida no mercado internacional. A empresa abastece as principais torrefações no Brasil, além de exportar grãos para países como Uruguai, Taiwan e Canadá.
Além da qualidade na produção do café, a sustentabilidade também marca presença a partir do incentivo ao reflorestamento, como a inserção de sementes para cultivo em casa utilizando as embalagens dos produtos. “Temos o projeto de plantar 50 mil mudas porque temos 50 mil pés de cafés. Essa é a nossa contribuição como pequeno produtor para um mundo melhor e buscamos incentivar também outros produtores a replantarem”, ressalta a cafeicultora
Outra iniciativa considerada inovadora na fazenda é a criação de abelhas meliponas e africanizadas assassinas. Além de produzirem mel e atuarem na polinização de culturas agrícolas, os insetos servem como um importante termômetro de sustentabilidade, indicando problemas nos ecossistemas, como a perda de biodiversidade e o uso excessivo de pesticidas. “Nós não somos orgânicos, somos certificados. Se tivermos fazendo algo de errado, as abelhas darão o sinal”, acrescenta Paula Dias.
Além dos cafés, Paula também se aventurou no cultivo de baunilhas. Há alguns anos, a agricultora criou uma lavoura coberta e mergulhou nos estudos sobre a planta, que leva em média três anos para dar as primeiras flores e atinge a maturidade entre cinco e sete anos.
Percebendo a escassez de informações sobre o cultivo, Paula buscou a ajuda da Embrapa e, desde então, segue aprendendo sobre o assunto junto a um grupo formado por pesquisadores e produtores brasileiros. A partir dessa troca de aprendizados, as baunilhas estão se tornando realidade e hoje encontram-se em etapa de florada e polinização que, no caso desta orquídea trepadeira, precisa ser realizada de forma manual.
Para o futuro, ela pretende identificar se as espécies são Pamplona, Cribbiana ou Planifólia para, assim, comercializar mudas com rastreabilidade para produtores rurais de todo o Brasil. “Queremos oferecer as mudas com rastreabilidade e vender as favas para chefs de cozinha, junto ao mel e ao café”, finaliza.
Agrônoma quebra paradigmas em uma região de fortes tradições
O amor pelo campo motivou a engenheira agrônoma Luíza Macedo a trocar a carreira acadêmica para liderar a produção de café na fazenda Tapera do Baú, em Boa Esperança, no Sudoeste mineiro. Criada em meio à natureza na infância, ela despertou o desejo de retornar à propriedade rural durante a maternidade e, dessa vez, quebrando paradigmas ao adotar práticas inovadoras em uma região de fortes tradições.
Desde 2019, Luíza Macedo trocou de carreira e começou a aplicar na fazenda os conhecimentos adquiridos na universidade focados na nutrição e fisiologia do café, aproximando-a da proposta da cafeicultura regenerativa. “Adotamos algumas práticas na fazenda e estamos quebrando alguns paradigmas com o apoio das mulheres. Elas são essenciais nesse processo e abraçam com maior facilidade práticas inovadoras”, destaca a cafeicultora.
O processo regenerativo contempla um conjunto de iniciativas, como o uso de plantas de cobertura, rotação de culturas e integração de árvores nativas. Com a utilização de técnicas especiais, é possível recuperar a saúde do solo e reduzir a dependência de produtos químicos nas fazendas, impactando diretamente na qualidade do insumo e na sustentabilidade do cultivo.
Dentre as ações adotadas, a construção de uma pequena biofábrica para produzir insumos ajudaram a fazenda a controlar pragas e doenças de maneira sustentável. Outra ação bem-sucedida envolve importantes ações de segurança alimentar, como não pisar em grãos nos terreiros, separar lotes e implementar a rastreabilidade nos produtos.
As iniciativas regenerativas resultaram em melhorias significativas, especialmente no cultivo dos cafés fine cup, dotados de sabores complexos e aromas distintos. A partir dos fine cups, ela passou a explorar também a fermentação do café com foco na produção de pequenos lotes com pontuações elevadas, o que resultou em uma combinação de qualidade e rastreabilidade, que permitiu iniciar as exportações para o mercado internacional.
A partir da adoção da prática e da crescente conexão com outras mulheres, Luíza Macedo intensificou a paixão pelos cafés especiais, que passaram a ser enxergados como alimento em detrimento de apenas um produto. Engajada na comunidade feminina, a produtora chegou a ocupar um cargo na diretoria de pesquisa da Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA Brasil) e, hoje, participa do grupo de agronegócio das mulheres de Boa Esperança, que organiza eventos para mais de 200 pessoas.
Com a fazenda de portas abertas para a comunidade, Luiza Macedo, também se destaca pelo compromisso com o desenvolvimento da cidade a partir da capacitação de colaboradores e de atividades voltadas para o empoderamento feminino no agronegócio. “Mudanças de carreira às vezes podem ser complicadas, especialmente durante a maternidade. Tenho dois filhos e sempre busco compartilhar com as mulheres que a sustentabilidade nada mais é do que deixar para as próximas gerações muito melhor do que encontramos”, finaliza.
Pesquisadora une mulheres do agronegócio em prol do empoderamento e sustentabilidade
Além do campo, as mulheres seguem ganhando cada vez mais espaço em lideranças dentro das universidades a partir do estudo do agronegócio. É o caso da pesquisadora mineira Danielle Baliza, pós-doutorada em agronomia/fitotecnia pela Universidade Federal de Lavras (Ufla), cuja tese foi uma das primeiras no Brasil a estudar sistemas agroflorestais (SAFs) com café.
Diante do alerta em relação às mudanças climáticas, Danielle Baliza considera que esses sistemas representam uma alternativa eficaz para reduzir os impactos ambientais, aumentar a competitividade dos negócios, além de gerar emprego e renda para as pessoas.
“Sustentabilidade envolve também economia e governança. Além de estudarmos técnicas que levam a uma produção mais sustentável, passando pela agricultura regenerativa, precisamos estudar mais as pessoas. As pessoas movem o agronegócio, precisamos fazer com que elas tenham também uma renda justa e uma vida de qualidade”, explica.
Há dez anos, após o nascimento do filho, a pesquisadora passou a compreender a complexidade da jornada dupla ou, às vezes tripla, que as mulheres enfrentam, e, desde então, vem trabalhado para ajudá-las a superarem desafios. “Meu objetivo é inspirar meninas e mulheres a ocuparem, cada vez mais, seus espaços e sensibilizar a sociedade sobre a necessidade de um maior protagonismo feminino em cargos de liderança no agronegócio”, ressalta.
Atualmente, os trabalhos da profissional envolvem projetos com mulheres no agro, particularmente no setor cafeeiro. Ela conecta produtoras rurais, profissionais que colhem e comercializam café com o objetivo de gerar oportunidades mútuas. Dentro do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais, onde também é professora, Danielle Baliza também assessora a criação de grupos de agricultoras, auxiliando mulheres tanto na parte técnica da produção de café quanto em aspectos motivacionais, sempre visando o empoderamento feminino.
Ao avaliar a participação das mulheres no agro, a pesquisadora observa que, cada vez mais, elas estão ocupando espaço no campo, seja como agrônomas, pesquisadoras ou empreendedoras. “Embora sempre tenham estado presentes, as mulheres agora são convidadas a se tornarem protagonistas das próprias histórias e a transformarem os negócios, trazendo inovação e sustentabilidade para a agricultura brasileira”, declara.
Para o futuro, a união é vista como o caminho para cenários cada vez mais inclusivos. “Não fomos educadas para colaborar mas, sim, para competir. Estamos aqui para quebrar esse paradigma e trabalhar em conjunto é fundamental”, finaliza.
Para novos avanços, conexões devem ser fortalecidas
As iniciativas das mineiras Paula, Danielle e Luíza, bem como de outras mulheres que se destacaram no cenário nacional, foram reconhecidas e premiadas. Realizado em São Paulo nos dias 23 e 24 de outubro, o Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA) é uma iniciativa que reconhece esforços inovadores de produtoras rurais e conecta mulheres a partir de palestras, workshops, estandes, ativações para alavancar os negócios.
Eventos como este, de acordo com Silvana Novais, do Sistema Faemg Senar, são de extrema importância para que as mulheres se enxerguem enquanto líderes e como comunidade. Embora tenha avançado, o caminho ainda é considerado longo, especialmente em cargos de diretoria em empresas do agronegócio, onde a participação feminina figura entre 3 a 4%.
“Precisamos que as mulheres ocupem esse lugar da representativade. Ainda não chegamos a um patamar de presença feminina em diferentes setores e é essa representatividade que vai despertar as necessidades e soluções para o agronegócio brasileiro”, finaliza.
Por: Diário do Comércio
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